17 de jan. de 2008

Parte 11

O sol já havia se erguido há alguns minutos quando a doce fragrância de café fresco e pão recém assado invadiu o quarto onde os três dormiam. Scal fora o primeiro a despertar com o cheiro do café da manhã preparado pela senhora Krane, e não tardara até que o feiticeiro de levantasse e ficasse pronto para sua viagem antes de se sentar à mesa, onde a dona da casa já se servia de uma fatia de pão com manteiga e se servia de uma taça de leite.
-Bom dia senhora Krane! – disse ele alegremente enquanto se sentava e pegava um pedaço de pão
-Bom dia Scal! Dormiu bem? – perguntou ela sorridente
-Ah, dormi sim! Faz um bom tempo que eu não dormia tão bem!
-Que bom! Fico feliz! Agora se alimente bem, pois vocês tem uma longa jornada pela frente!
-Hum? “Vocês”? Perguntou ele, mas recebeu apenas um sorriso como resposta.
Os gêmeos Teodore e William entraram correndo pela porta, ainda vestindo seus pijamas e praticamente pularam sobre o café da manhã antes de dar bom dia aos já presentes, embora só o tenham feito por causa do olhar repreensivo da senhora Krane. Não tardou até que Terance entrasse na cozinha, ainda com cara de sono, pois fora acordado pelos gritos dos irmãos.
-Bom dia, gente...
O jovem paladino se deixou cair no banco abrindo a boca em um enorme bocejo enquanto ele pegava o bule de café e se servia uma generosa xícara. O jovem tinha o olhar distante, estava pensativo, tentando se lembrar do estranho sonho que tivera aquela noite, porem em vão. Tomou um gole de seu café e sentiu a cafeína lhe dando um pouco mais de energia para acordar e, conseqüentemente, fazendo-o se esquecer de que havia sonhado. Mas o rapaz ainda se mantinha alheio ao que acontecia a sua volta e mal percebeu a aproximação de Janus, que se sentara ao seu lado, deixando uma mochila que a senhora Krane havia lhe emprestado. Acordou apenas quando ouviu a voz de Janus respondendo a alguma pergunta ao seu lado.
-Mas eu quero ir! Se de alguma forma me der as respostas sobre o que aconteceu com minha vila eu quero ir sim!
-Mas eu enviarei mensagens sobre o que eu tiver descoberto, Janus... Você não precisa se arriscar... O caminho até o Vale do Crepúsculo é longo e perigoso eu...
-Não vai poder me proteger o tempo todo? É isso, né? – Janus começava a se exaltar - Eu me viro! Eu aprendo a lutar! Eu já tenho quinze anos, eu acho que consigo levantar uma espada ou atirar com um arco!
-Não é isso, Janus... – tentou tranqüilizar Scal – É que eu nunca me perdoaria se algo acontecesse com você!
-Eu vou junto... – Disse Terry sem pensar direito no que acabara de dizer – Eu preciso ir... – O rapaz olhou para a mãe, esperando algum tipo de retaliação, porem ela parecia já esperar por aquilo – Tenho que ir atrás do papai... Eu protejo o Janus se ele precisar...
-Pronto! – exclamou o garoto animado – Agora já temos tudo resolvido! Quando partimos?
-Eu não acredito nisso... – Sussurrou Scal – Você quer mesmo me acompanhar, Terry?
-E porque não? – respondeu o paladino - Eu seria de boa ajuda! O que você fará se suas magias acabarem no meio de algum ataque de orcs ou goblinóides?
-Eu pretendia evitar esses encontros... O que se tornara difícil se eu estiver acompanhado – a ultima frase saiu como um sussurro, inaudível para os demais – Mas tudo bem... Não vou conseguir convence-los sem uma boa discussão antes, e quero estar na estrada dentro de meia hora no Maximo... Podem ir comigo então, mas você fica de olho no garoto, Terry!
-Te dou minha palavra, feiticeiro!
O café da manhã se seguiu normalmente a partir daí, eles acertaram alguns detalhes que precisaram ser re-pensados agora que os dois rapazes acompanhariam o feiticeiro em sua jornada rumo ao Uialtum, o Vale do Crepúsculo.
Os preparativos finais foram feitos antes mesmo do previsto por Scal, e Terry já estava pronto, com sua espada embainhada e trajando um traje grosso de couro que lhe servia de armadura enquanto o jovem Janus se esforçava para tentar subir sozinho no enorme cavalo tordilho que a senhora Krane lhe arrumara.
As despedidas foram feitas sem mais delongas e, no tempo planejado, os três tomaram a estrada rumo ao Oeste, que os levaria primeiro a cidade de Bomvale, principal cidade nos limites do Vale dos Krane, de onde pegariam a estrada Norte, levando-os até o Vale do Crepúsculo, cruzando antes o Bosque Escarlate, onde fariam uma rápida parada em Eskarla.
E assim seguiram os três companheiros, a um destino que lhes ainda era desconhecido, e que os levaria mais longe do que imaginavam. Então sumiram no horizonte.

16 de jan. de 2008

Parte 10

Lá estava ele mais uma vez, naqueles campos agrestes e cinzas, o céu sempre escuro com suas macabras nuvens escarlates, ameaçando fazer chover sangue a qualquer instante. Seguia seus passos, talvez por simples instinto, talvez por já saber o caminho a percorrer, porem nunca havia seguido tão longe, apesar da paisagem imutável não possuía nenhum marco, dando assim nenhuma indicação de onde estivesse. A única indicação que tinha de que se aproximava de seu destino era o som da harpa, tocando um minueto sinistro, que se tornava cada vez mais audível, embora parecesse vir de todos os lados.
Sentia ter caminhado durante horas, talvez dias, pois sentia seu corpo pesar e as pernas falharem. Nunca havia chegado tão longe, podia sentir que estava perto agora, não podia parar, não agora. Prosseguiu, até que parou subitamente. Aqueles olhos, de um azul tão vivo que chegava a brilhar, observou a porta que pareceu surgir como mágica diante dele. Perguntou-se como não notara a imensa estrutura, feita de ébano maciço, se aproximando dele. Isso não importava mais. Havia encontrado o lugar que procurava. Olhou a sua volta. Não havia nenhum arco ou muralha sustentando a enorme porta, pela qual um dragão poderia passar tranqüilamente, mantendo ereta toda a extensão de seu pescoço. Aproximou-se o bastante para ver os entalhes que decoravam a misteriosa porta. Sentia a magia emanando da runas, entalhadas habilmente ao longo de toda a extensão de sua moldura. Não havia indícios de maçaneta ou fechadura na madeira enfeitada com imagens e símbolos que pouco lhe significavam, mas havia, bem no centro da porta, a forma de uma mão talhada fundo na superfície negra.
A melodia agora era nítida como um cristal, ele se descobrira cantarolando-a, mesmo que a mesma lhe desse arrepios. Os olhos azuis se fixaram no entalhe em forma de mão e, sem que percebesse, já havia erguido a sua própria, inserindo-a naquilo que parecia a fechadura da grande porta, e descobrindo, para seu espanto, que o encaixe era perfeito.
Instintivamente tentou retirar sua mão quando sentiu o corpo arder intensamente, como em uma crise febril, porem o esforço fora em vão. Estava preso. As runas agora pulsavam emitindo um brilho rubro, ele podia sentir a pulsação, como se a porta tivesse adquirido vida. Sentiu um liquido viscoso e morno percorrer seu braço. Sangue. O sangue agora escorria por entre o vão da enorme porta que se abria lentamente. O minueto agora ganhava um ritmo mais acelerado conforme as duas metades da porta se separavam, fazendo o sangue jorrar por entre as frestas, mas ele nunca chegou a contemplar o que elas escondiam.
O suor escorria pelo rosto de Janus quando este acordara desesperado, olhando para o braço num reflexo inconsciente. Rapidamente o garoto se sentou na cama e conferiu onde estava. Suspirou aliviado ao constatar que estava no quarto de Terry, com o paladino dormindo no chão ao lado de sua cama e o feiticeiro, Scal, dormindo na cama ao lado. Enxugou o suor em seu rosto com as costas das mãos, feliz por ouvir os silvos rítmicos da respiração de um de seus dois companheiros de quarto, mas isso não fora o suficiente para acalma-lo por completo. Tentou se o mais furtivo que conseguia quando se levantou da cama e caminhou até a varanda do lado de fora da casa.
A lua parecia ter atingido sua forma plena aquela noite, e brilhava intensamente, iluminando até o horizonte com sua luz fria e prateada. O garoto caminhou até a grama fofa do quintal do Krane, deixou o corpo cair sobre a relva e se pôs a observar as estrelas. Fitou por um longo tempo uma estrela particularmente brilhante, e de cor escarlate, que o fazia inevitavelmente se lembrar do sonho que acabara de ter. Ainda suava, mas não pelo susto, suava de calor. Sentia o corpo quente, como se tivesse sido atacado subitamente por uma forte febre, mas o formigamento em sua mão o fazia pensar em apenas uma coisa. Aquilo não fora um simples sonho.
Deixou que a brisa noturna lhe esfriasse tanto o corpo quanto a mente, e assim ficou uma boa dúzia de minutos deitado, escutando o som dos grilos, como se marcassem o tempo para o minueto sinistro que ele, sem perceber, começara a entoar. Esfregou os olhos e se pôs de pé em um salto quando um uivo ao longe lhe trouxera de volta a realidade. Precisava descansar se fosse seguir o feiticeiro no amanhecer. Girou nos calcanhares para voltar para dentro da casa quando de frente com a senhora Krane parada à porta, apoiada no batente. A mulher sorriu quando Janus se aproximou
-Sem sono também, Janus? – perguntou ela com uma voz gentil e maternal
-É... Sonhos ruins... Mas já vou voltar pra dentro...
-Eu também gosto de olhar para as estrelas quando perco o sono, sabe?
-Hum...
-Bom, é melhor você voltar pra cama... Vocês terão uma longa jornada pela frente!
-Que? Eu... – surpreendeu-se Janus. Não havia mencionado que partiria com Scal até o momento da partida e tinha certeza de que não tinha deixado transparecer sua vontade.
-Eu já separei algumas coisas pra vocês levarem. – disse ela com um sorriso
-Ah... Bem... Então... Obrigado, senhora Krane... Melhor eu dormir então... Boa noite...
-Boa noite, querido!
Janus entrou no quarto um pouco aturdido, se perguntando como a senhora Krane descobrir de seus planos de partir com o feiticeiro, porem nunca encontrou a resposta, pois o sono o levara, embalando-o em sonhos, mais agradáveis dessa vez.
O silvo rítmico ainda ecoava suavemente pelo quarto, mas dessa vez acompanhado por alguns resmungos baixos de Terry. Era ele quem sonhava dessa vez. Sonhava com um lugar árido e inóspito, cuja lava dava uma coloração vermelha à terra seca e as nuvens, sempre negras, castigavam o vale com seus constantes raios. Em seu sonho ele via um homem de cabelos dourados ajoelhado ao chão, parecia cansado. Primeiro veio a gargalhada, uma voz grossa e gutural, em seguida veio a voz de seu pai, suplicando por ajuda. O rapaz não se lembraria do sonho na manhã seguinte, nem em nenhuma outra que viesse depois dessa, mas o pedido de ajuda de seu pai se instalara em seu inconsciente, e o guiaria com precisão ao seu destino.

13 de jan. de 2008

Parte 09

Com seus passos leves e corpo esguio, perfeitamente esculpido em belas formas élficas, ela percorria com maestria por entre as estreitas arvores do Bosque Escarlate, que circundava a cidade de Eskarla, uma cidade razoavelmente grande que servia de centro comercial para as cidades menores e vilarejos da região. Fez um breve pausa, olhando para trás, certificando-se de que o elfo negro não a alcançara. Um sorriso malicioso se formou em seus delicados lábios, havia armado para o drow alguns dias atrás. O plano não fora tão bem sucedido quanto ela esperava. Esperava se livrar de seu perseguidor para sempre, mas as noticias de que um paladino, para sua surpresa, ajudara o drow a escapar. “Maldito servo da justiça” praguejou ela quando ouvira os boatos, afinal não poderiam haver dois drows sem más intenções na mesma cidade. Mas isso não a preocupou, se julgou esperta o bastante para despistar o rastreador, embora o tenha apenas atrasado.
O caminho agora tinha galhos mais densos, e ela teve que diminuir o passo para evitar que seus lisos cabelos castanho avermelhados não se enganchassem nos ramos que se estendiam como dedos nodosos em sua direção. O sol já havia se erguido completamente do horizonte ocidental e iniciava sua eterna subida até o topo do céu, para então voltar a descer até se esconder completamente no horizonte oriental. Isso era um bom sinal, o sol nascendo bem a sua frente significava que o drow teria de parar para descansar, o que a daria um tempo para recuperar suas forças e se reabastecer. Ela sabia perfeitamente da fraqueza de seu perseguidor, e por isso seguia sempre na direção oeste, pois assim ele teria os primeiros raios da manhã diretamente nos olhos, não lhe dando outra opção a não ser parar, principalmente depois que seu olhos já haviam se re-acostumado com a escuridão noturna.
Com a mesma graça com a qual percorria habilmente a orla do bosque ela saiu do meio das arvores e tomou a estrada principal. A silhueta das muralhas fortificada de Eskarla já podia ser vista a alguns minutos de caminhada colina abaixo. Daquele ponto da estrada, onde se iniciava uma suave descida até os portões da cidade, podia-se ter uma noção real da extensão do bosque, que provavelmente recebera esse nome para manter um aspecto mais provincial à região, pois mal se podia ver onde ele terminava.
Ela desceu alegremente colina abaixo, mantendo firme sua mochila nas costas, não poderia se dar ao luxo de perde-la, uma vez que todas suas coisas estavam ali dentro, inclusive a gema verde cintilante, maior que o punho de um orc, que a colocara naquela situação de fuga. Na verdade a mochila parecia pequena demais para guardar muita coisa alem da gema que ela havia “tomado emprestada” do rei Eleandor de Fornurta. Mas havia guardado ali dentro não apenas a gema como também sua barraca, provisões e dinheiro, arrumado de forma suspeita mesmo que indiretamente. Para falar a verdade, sua vida inteira era um tanto quanto suspeita, pois tinha tantos nomes que as vezes ela própria se esquecia do seu próprio. Caliara Ainariël era uma ladina tão excepcional quanto sua beleza élfica, o que apenas contribuía mais paras suas habilidade gatunas. Porem, apesar obvio, ela não se dizia uma ladra, acreditava que aquele título rebaixava demais suas habilidade e, portanto, preferia se dizer uma “especialista em achados e perdidos”, o que significava que, uma vez que ela tenha achado o que procurava o dono original tinha inevitavelmente, e geralmente contra sua vontade, perdido algum objeto de grande valor.
Os grandes portões de madeira de Eskarla agora se erguiam diante dela, juntamente com o guarda que a olhava de cima com olhar desconfiado. O homem lhe fizera algumas perguntas antes de deixa-la entrar, nada que ela não pudesse contornar com uma mentira ou outra, embora uma elfa solitária realmente fosse incomum tão longe das cidades de seu povo, ela despertava mais curiosidade que desconfiança realmente. Ela caminhou pelas ruas já movimentadas da cidade, indo em direção ao centro comercial para em seguida procurar uma estalagem na qual pudesse repousar antes de retomar sua fuga. Estava começando a gostar daquela caçada empreitada pelo drow, nunca ninguém havia conseguido chegar tão perto de captura-la e muitos já teriam desistido. Passou ao lado de um homem trajando roupas claramente da nobreza, ele não se daria conta de que seu dinheiro não estava mais com ele até ser tarde demais.
A estalagem do Javali Alado era a mais famosa de Eskarla, ao menos no sub mundo do crime. Era o lugar perfeito para realizar transações suspeitas e organizas saques e roubos sem bisbilhoteiros a sua volta. Caliara entrou na estalagem, as vozes se calaram quando a bela elfa de olhos verdes caminhou até o balcão para pedir um quarto. O dono da estalagem lhe deu a chave e ela se virou na direção das mesas, encarando todos aqueles marmanjos mal cuidados, contrastando incrivelmente com a elfa de tez delicada e cabelos brilhantes. Ela girou a chave nos dedos e lançou um aceno provocador na direção das mesas antes de subir para seu quarto. Pretendia estar de volta na estrada antes do meio dia.

12 de jan. de 2008

Parte 08

Os longos cabelos prateados quase tocavam o chão enquanto ele se abaixava para ver melhor algum sinal do rastro que seguia. Havia perdido seu sinal havia dois dias, por causa do infeliz incidente que a dera um tempo considerável de vantagem. Não se importava com o preconceito que sofria, estava mais que acostumado e, na maioria dos casos, as outras pessoas tinham razão em sentir medo e raiva, mas aquele homem fora bem gentil ao enxergar alem de sua aparência. Nem mesmo Tabael, a raposa prateada que o acompanhava, encontrava dificuldades em achar o rastro. “Maldita” pensou ele, já fazia meses que brincavam de gato e rata, mas ele não desistiria tão fácil, tinha certeza de que a encontraria na próxima cidade. Levantou-se e enxergou o caminho através da escuridão noturna, ele estava na vantagem, pois mesmo ela tendo uma visão extraordinária no escuro, nada substituiria a evolução natural que sua raça sofrera durante as eras nos subterrâneos.
Afastou os cabelos prateados, cujo luar dava um brilho pálido e belo, com os dedos negros e voltou a caminhar com Tabael ao seu lado. O animal, que há muito tempo já havia se tornado sua amiga, seguia na frente, sempre atenta a qualquer som suspeito que poderia representar algum perigo ao seu mestre. As raposas prateadas eram criaturas raras, existentes apenas nas planícies geladas de Tundralva, localizadas no extremo norte do continente. Animais que venciam em tamanho, força e agilidade qualquer um de seus primos de terras mais quentes. Eram pouco menores que os grandes tigres dentes-de-sabre das regiões ermas, mas caçadores igualmente hábeis e selvagens, não havia registros anteriores de qualquer uma que tivesse sido domada antes, a única exceção era Tabael.
A caçada continuou noite adentro, até que os primeiros raios dourados do sol lambessem a terra com seu calor matutino. Era hora de descansar. Seguia a oeste, e o sol agora nascia a sua frente fazendo com que seus olhos, sensíveis a qualquer luz forte, ardessem, forçando-o a fazer uma pausa. Uma das maiores adaptações de seu povo aos subterrâneos se mostravam sua maior fraqueza na superfície, pois, por mais que ele já estivesse acostumado com a luz do dia, não tinha condições de seguir seu percurso enfrentando diretamente o poderoso deus Sol.
Armou seu rápido acampamento afastado da estrada principal, não poderia correr o risco de ser avistado e atacado, coisa que poderia acontecer simplesmente por ter nascido entre a raça dos elfos subterrâneos. Os Drow, ou Elfos Negros, pouco diferiam fisicamente de seus primos da superfície alem da cor de suas peles, negra para si misturarem à escuridão das profundezas da terra, e dos cabelos, estes de uma brancura tão pura quanto à das primeiras neves do inverno. Era em suas almas, porem, onde residia a grande diferença, e o que os tornava tão odiados na superfície, e temidos em sua terra natal. Os drow eram criaturas vis, matando impiedosamente as outras raças pelo simples fato de que, para eles, nenhuma outra raça deveria existir.
Finalmente se deu ao luxo de se acomodar dentro de sua tenda, feita da pele grossa dos bisões polares para evitar o máximo qualquer luminosidade externa. Tabael arfava ao seu lado, os belos e longos pelos prateados da raposa haviam caído, revelando uma pelagem mais curta e fina, quando cruzaram as fronteiras meridionais de Tundralva e entraram em terras mais quentes, mas ela ainda não havia se acostumado com a temperatura. O drow levou sua mão até a cabeça de Tabael para acaricia-la. A raposa se aproximou de seu mestre, apoiando a cabeça em sua coxa e fechando os olhos lentamente. Seldszar Phaerin apoiou a cabeça na mochila de viagem que usava como travesseiro improvisado e imitou o gesto de sua companheira, fechando os olhos, e se aprofundando na meditação profunda que era o mais próximo que sua espécie chegava do sono, e não eram preciso mais que algumas poucas horas para se recuperar por completo.
Seus pensamentos voaram, voaram de volta para as terras ao extremo norte, e o único lugar que se atreveu a chamar de lar desde sua fuga dos subterrâneos. Pensou na cidade de Fornurta, o Esconderijo do Norte na língua de seus primos, e a única cidade élfica em toda a região de Tundralva. A cidade de cristal, como era conhecia pelas tribos nômades do norte, fora totalmente esculpida no gelo, com suas formas curvas e beleza do artesanato élfico. Lembrou-se de como encontrara a cidade ao acaso quando ainda era apenas um jovem drow fugindo, como tantos outros já fizeram antes, das garras opressoras das Matriarcas e da crueldade inata de seu povo. Os primeiros anos foram os mais difíceis. Havia sido capturado pela guarda da cidade e levado para interrogatório. Já tivera sorte o bastante em não ter sido morto, mas não escapou das torturas, que nada era comparado ao que sofrera em sua terra natal. Aceitara o castigo sem abrir a boca para reclamar, para ele aquilo era uma espécie de redenção, uma meio de tirar de si mesmo toda a maldade que nascera com ele por ser o que era. Vários anos, que pouco significam para os elfos, se passaram antes que o liberassem de sua prisão e o deixassem “livre”. Não era mais que tolerado pelos habitantes de Fornurta, embora vivesse isolado na periferia da cidade, e próximo à prisão que lhe servira de lar nos anos anteriores.
Foi então que um dia que a guarda real praticamente o arrancou de sua cama numa manhã gelada de inverno. O inverno cruel de Tundralva que castigava as planícies pálidas do lado de fora das enormes muralhas de gelo da cidade. O jovem drow havia sido pego desprevenido, não entendia o motivo de sua nova prisão, pois nada havia feito para desrespeitar as leis nem os habitantes de Fornurta, embora ele desconhecesse o respeito por parte de seus primos.
Quando finalmente se deu conta de onde estava, se viu ajoelhado diante do rei Eleandor, que o encarava com uma calma digna dos grandes reis élficos. Fez um sinal para que seus guardas os deixassem, hesitaram por um instante, mas não ousaram desrespeitar as ordens de seu rei. O imponente elfo se aproximou do drow e pediu desculpas pela atitude rude de seus guardas. O rei fora direto ao ponto quando começou a explicar para Seldszar o porque de sua presença ali. Em resumo, o rei precisava de um batedor habilidoso e de um espião de grande afinidade com as sombras, pois ouvira rumores de que um golpe de estado estava a caminho, e ele acreditava que o drow seria perfeito para o trabalho. Seldszar aceitou de imediato, honrado com a oportunidade e confiança que o rei depositara nele. Eram raras as pessoas que conseguiam enxergar o fundo de sua alma e vê-la tão cristalina quanto as nascentes que abastecem Fornurta. Havia encontrado algumas dessas pessoas, a primeira fora o rei Eleandor, confiando-lhe seu trono. A ultima, até o momento, fora o paladino Krane Sisck, que o salvara da ira selvagem dos habitantes de uma pequena vila à leste dali, e sabia, de certa forma, que não seria a ultima vez que o veria. Seus pensamentos voaram, até começarem a se desvencilhar de qualquer lógica, e então, finalmente, o drow deixou o que sua mente divagasse pelos campos oníricos e adormeceu.

11 de jan. de 2008

Parte 07

Um vento gelado soprava forte, há algumas centenas de quilômetros do vale do Krane, sua terra natal. O sangue em suas mãos as tornava escorregadias, apenas dificultando mais ainda a escalada naquela íngreme parede rochosa. Deixara sua montaria na segurança dos campos ao pé da montanha, mesmo que ela pudesse voar, aquele era um desafio que ele deveria enfrentar sozinho, e com as próprias forças, pois precisaria se mostrar digno diante do julgamento.
O vale do Crepúsculo sempre fora um local inóspito e traiçoeiro, e já era usado pelos dragões como seu cemitério muito antes do tempo em que os primeiro elfos caminharam sobre aquele mundo. O Uialtum, como é chamado na língua do belo povo, é um valer desolado, um planalto localizado a centenas de metros cima do solo, uma terra castigada pelos deuses e onde nem mesmo os mais bravos ou os mais tolos ousam subir. O lugar perfeito para que um dragão ancião, carregando incontáveis milênios nas costas, possa ter seus momentos finais sem ser incomodado ou ter seu corpo violado por criaturas carniceiras ou mortais mercenários atrás de suas preciosas escamas.
A subida tornava-se mais cansativa e, a cada metro que deixava para trás, sua armadura parecia se tornar absurdamente mais pesada. Havia perdido completamente a noção após as primeiras horas de escalada, lembrava-se apenas de ser dia ainda quando iniciara sua empreitada rumo ao cume. Mas agora a escuridão noturna reinava suprema, embora não tivesse certeza de que já tivesse realmente anoitecido, pois não era meio dia quando as densas nuvens começaram a bloquear por completo as luz do sol. Havia um enorme simbolismo para ele naquela subida as cegas, pois deveria subir sozinho, e sem a luz do Sol, seu deus patrono, se sentia realmente sozinho.
O desgaste físico já chegava em seu limite, e o mental começava a se manifestar. Sentia a visão turvando, e aqueles ventos eternos, que se tornavam cada vez mais fortes à medida que subia, parecia sussurrar-lhe palavras de desmotivação, tentando arrancar-lhe de seu objetivo, mas o paladino não teria sua vontade vencida tão facilmente. Já enfrentara grandes perigos e desafios árduos, tivera a vida por um fio, mas nunca desistira, e não seria agora, não seria ali e nem daquele jeito que Steven Krane Sisck sucumbiria, não quando o destino de todo continente dependia daquela escalada.
O cume se aproximava. Sabia disso pelo som dos trovões que começavam acima dele e pelos flashes de luz dos raios que castigavam a íngreme parede rochosa. O derradeiro desafio ainda estava por vir, e ansiava por encontra-lo. O sangue já deixara suas extremidades há vários minutos atrás, mas sentia os próprios dedos se agarrando nas pedras pontiagudas e ásperas, ou a palma de mão ameaçando deslizar, arremessando-o para a morte certa.
Agarrou em uma pedra que julgara estar firme no lugar. Contraiu os músculos do braço, puxando o corpo para cima, porem a pedra se soltou, deixando a gravidade fazer seu trabalho e puxando o corpo cansado do paladino para baixo. Segurou firme no único apoio que ainda tinha, sentindo os dedos escorregando lentamente e se esfolando na pedra áspera, fazendo-a sangrar ainda mais. Ficou ali por alguns segundos, querendo se render ao cansaço e ao descanso momentâneo que traria a queda, antes da dor que se seguiria da paz eterna. Respirou fundo, ainda não era sua hora. Juntou as forças que lhe restavam e puxou o corpo mais uma vez para cima, achando um apoio para os pés e outro para a mão livre. Arriscou-se a olhar para baixo, mas tudo o que via era uma densa nevoa escura, então tornou a subir.
Não fazia idéia de quanto tempo levou para concluir o trajeto, sentia os olhos pesados e o corpo dolorido. Queria dormir, queria descansar. Permitira ao próprio corpo cair no chão quando encontrada um solo estável, estava agora de costas no chão, o rosto virado para o céu eternamente negro. Seus olhos ameaçaram se fechar, mas logo se abriram ao som de um trovão que cortara o céu não mais que alguns metros acima do chão. Não haveria tempo para descansar. Levantou-se e esfregou os olhos, finalmente tendo uma visão geral do vale.
O Vale do Crepúsculo merecia esse nome. Rios de lava jorravam de enormes aberturas em pequenos morros e percorriam um longo caminho até encontrarem fissuras no chão por onde voltavam às entranhas da montanha. Os rio de rocha fervente dava uma coloração avermelhada às nuvens negras acima deles, lembrando uma versão distorcida do crepúsculo. Os ventos gélidos que castigavam sem perdão a encosta da montanha já não se arriscavam mais a soprar naquela região árida e desolada do cume.
Reuniu as poucas forças que ainda guardava o corpo e iniciou sua caminhada. O cheio de enxofre que exalava das fontes de magma começava a se misturar ao cheiro pútrido das carcaças de dragão que ao pouco começavam a surgir. Criaturas tão majestosas e poderosas como os senhores dos répteis, que viviam milênios antes de alcanças seus últimos dias, e que muitos julgam serem imortais, encontravam naquele vale o local de seu ultimo suspiro, deixando apenas a prova de que a morte é a única e verdadeira certeza no mundo.
Caminhou, quase que se arrastando, em busca de um local especifico naquele cenário que parecia mudar apenas a posição e estado de decomposição das carcaças. Seguiu seus passos sem hesitação, parecia saber exatamente aonde ia, mesmo nunca tendo estado naquele lugar. Caminhou por vários minutos, embora tenham parecido horas por causa do peso de sua armadura e o desgaste físico.
Seus olhos brilharam e seu corpo pareceu se encher de uma nova energia, deixando o cansaço de lado ao encontrar o lugar que procurava. Aquela parte especifica do vale era um oásis naquele ambiente hostil. A terra ali não era árida, ao contrario, possuía uma grama baixa crescendo em volta de uma única fonte de água que brotava gentilmente de uma fonte natural. O ar ali era fresco, ao contrario do ar carregado que dominava o vale, e as nuvens se dissipavam quase que magicamente em cima daquele pequeno pedaço de paraíso.
O paladino pode ver que o dia começava a nascer novamente, e seu deus o agraciava mais uma vez com sua presença. O homem tirou seu elmo, deixando cair os cabelos dourados que aos poucos iam deixando sua cabeça. Seu rosto começava a ser tomado pela idade, embora aparentasse ser menos velho do que realmente era, mas isso parecia ressaltar ainda mais sua bondade e nobreza. Deixou o elmo cair na grama e caminhou até a fonte, não mais parecendo um homem cansado, mas um jovem guerreiro pronto para enfrentar sua batalha mais importante.
Parou em frente a uma pequena piscina que se formava abaixo da fonte, cuja água límpida refletia perfeitamente o céu acima das nuvens negras, que aos poucos assumia sua coloração azulada. O paladino se ajoelhou e olhou para dentro da piscina por alguns segundos. Então fechou os olhos e deixou que a voz imponente ecoasse em sua mente.
-Você demorou, Steven Krane Sisck V! Filho de Steven Krane Sisck IV e neto de Philip Krane Sisck II! Estive esperando por você.

9 de jan. de 2008

Parte 06

O feiticeiro permanecia em seu cavalo, a urgência estampada no rosto, esperando que Terry respondesse logo sua pergunta. O cavalo sapateada no mesmo lugar, refletindo a impaciência de seu mestre, bufando e espirrando o suor que lhe escorria pelo nariz nas roupas do jovem paladino.
-Seu pai está aqui, Terance? É realmente urgente! – Insistiu Scal
-Sinto muito, mas ele não está... Meu pai partiu em viajem a menos de uma semana... O que é tão urgente que o tirou da torre de seu mestre, Scal?
-Droga... – sussurrou o feiticeiro para si mesmo – Você sabe para onde ele foi? Ou quando volta?
-Ele disse que não voltaria antes da lua mudar de face, mas não disse para onde ia... Saiu daqui às pressas, pouco depois da ultima visita de seu mestre... O que aconteceu, Scal?
-Não sei ainda, Terry... – respondeu hesitante – Por isso mesmo que precisava falar com seu pai tão urgentemente...
-Por que não fica aqui esta noite? Talvez minha mãe saiba dizer onde ele foi... Alem do mais, a estrada fica perigosa de noite.
Scal apenas fez um gesto afirmativo com a cabeça, aceitando o convite de Terry e desceu do cavalo, deixando que o garoto o levasse até o estábulo. Entrou, sem cerimônias, na casa do Krane e deu de cara com o jovem Janus, que o encarava com a expressão triste que mantinha há três dias. O feiticeiro sorriu e fez um gesto com a mão, cumprimentando o garoto a distancia, acreditando se tratar de algum amigo dos gêmeos ou algum parente dos Krane. Livrou-se da capa de viajem, deixando a mostra o robe negro e vermelho, muito diferente daquele usado por seu mestre em vida, cheio de cores vivas e radiantes, e se sentou na cadeira livre a frente de Janus, que lhe lançou um olhar desinteressado antes de fixar o olhar no mesmo ponto distante que vinha observando. Terry entrou na sala alguns minutos depois.
-Ah sim, antes que eu me esqueça! Scal, esse é o Janus, ele morava em Sunspeak... Janus, esse é Scal, um feiticeiro de Bomporto e amigo da família! Vou buscar minha mãe, já volto!
-Hum... – fez Scal analisando o garoto enquanto Terry voltava para fora – Foi muita sorte sua sair de Sunspeak, meu jovem... Mas vejo pela sua cara que já sabe do ocorrido, estou certo?
-É... Sei sim... – respondeu Janus sem desviar o olhar – Foi por isso que vim pra cá... Por que minha vila já não existe mais...
-Entendo... Infelizmente só posso imaginar o que sente... Mas ainda assim foi muita sorte não estar na cidade quando aconteceu seja lá o que for...
-Não sai... – respondeu secamente o garoto – Eu estava lá o tempo todo...
O feiticeiro se calou, observando curiosamente o jovem rapaz a sua frente. Sua boca se abriu, esboçando o comece de alguma palavra, mas fora interrompido pela volta de Terry, agora acompanhado de sua mãe. A senhora Krane se adiantou para cumprimentar Scal e se sentou uma das cadeiras vazias
-O que o trás à nossa casa, Scal? Achei que não o veria tão cedo depois que viera nos trazer as ultimas noticias tão tristes sobre o bom Nimb.
-Admito que também não me imaginei saindo da torre tão cedo, senhora Krane, mas algumas coisas têm me perturbado, e minha viajem até aqui sinceramente não ajudou...
-Mas o que eu houve?
-Bom, já lhes contei de como os últimos minutos de meu mestre pareceram inquietos... Fiquei me perguntando desde então se não teria sido algum delírio ao sentir a morte se aproximando, mas agora não tenho tanta certeza...
-O que quer dizer?
-Bom... Meu mestre estava estudando algumas magias avançadas de divinação... E... Bem... Você não sentiu nada estranho a três madrugadas atrás, Terry?
-Não que eu me lembre... – respondeu Terry pensativo, Janus o olhou curioso, finalmente prestando atenção na conversa – Nada alem de uma noite particularmente mal dormida... De resto...
-Bom, foi na mesma madrugada que meu mestre morreu, e acredito que fora também a ultima de Sunspeak... Estou correto, Janus?
-É... Isso mesmo... – respondeu o garoto desviando rapidamente o olhar
-Eu senti uma aura assustadoramente maligna quando encontrei o Janus! – o garoto olhou assustado para o paladino – Acha que seu mestre viu o que aconteceu? E foi isso que o matou?
-Sim, existe essa possibilidade... Eu tentei rastrear que tipo de magia teria feito aquilo com Sunspeak, mas tudo o que consegui foi descobrir vestígios descomunais de magia... E a única pessoa que eu conheço que poderia me dar alguma luz no ocorrido era seu pai, Terry...
-Mas... – começou Janus, finalmente manifestando-se – Por que você acha que os eventos estão interligados? A morte de seu mestre e a destruição de Sunspeak? E por que alguém destruiria uma vila tão pequena e sem importância?
-Não é a vila em si, Janus... Segundo as anotações de meu mestre, havia uma chave escondida em Sunspeak... Chave que, segundo os últimos delírios dele, deve ser destruído... Mas ainda não sei como ela se parece ou o que ela abre, só sei que é vermelha...
-Você sabe que nada disso faz sentido, né? – disse Janus rispidamente desviando o olhar – E por que diabos eu teria sobrevivido? Por que eu? POR QUE SÓ EU?
Terry e sua mãe olharam assustados para o garoto, Scal, porem, pareceu não se importar com o grito de Janus, já esperava por isso, e tinha uma explicação, embora fosse preciso mais tempo para que sua teoria se confirmasse. Um pesado silêncio se formou, e se manteve por alguns minutos, até que o feiticeiro julgou que estava na hora de quebrá-lo.
-Mas então... – começou se dirigindo à senhora Krane – Acredito que apenas seu marido poderia me ajudar... Sabe para onde ele foi? Se teria como eu encontra-lo?
-Ah sim! Bom... Ele saiu às pressas a quatro dias atrás depois da ultima visita de seu mestre... Ele chegou a falar alguma coisa, mas ele parecia tão aflito que eu não entendi direito... Disse que iria para o norte... Algo sobre uma montanha e um vale... Uialtum, se não me engano...
-Uialtum? – exclamou Scal – Ele foi para Uialtum, o Vale do Crepúsculo? Mas aquilo é um cemitério de Dragões! Não tem nada ali a não ser um monte de carcaças em decomposição... Alem do mais é uma subida muito arriscada até o vale, o que ele teria ido fazer lá?
-Infelizmente eu não sei Scal... Mas Steven parecia precisar chegar lá o quanto antes...
-Bom, o Paladino deve ter seus motivos... E acho que perguntarei pessoalmente a ele... Agradeço se puder me abrigar aqui esta noite, senhora Krane, e me arrumar algumas provisões... Amanhã ao amanhecer eu partirei rumo ao norte... Tenho um péssimo pressentimento quanto aos eventos recentes...
O sol havia acabado de se pôr, Terry ajudava Scal a se preparar para a jornada no dia seguinte, e Janus se mantinha calado, ainda desejando respostas, e já sabia como consegui-las.

7 de jan. de 2008

Parte 05

Janus se mantinha calado enquanto ajudava Terry a enxugar a louça, um dia já se passara desde sua chegada à fazenda dos Krane Sisck, e ele próprio se oferecera para ajudar nos trabalhos domésticos, acreditava que isso o manteria distraído. O silencio era quebrado pelos gritos dos gêmeos brincando do lado de fora e pela mãe de Terance cantarolando enquanto estendia algumas roupas para aproveitar o dia de sol. O garoto olhava para a janela, mal conseguindo sorrir ao ver aquele dia tão belo e de céu tão limpo, pois o pesadelo para o qual acordara tornava-se cada vez mais claro e a duvida sobre o que realmente ocorrera ainda lhe corroia por dentro. Guardou o ultimo prato e caminhou, acompanhado de Terry, até a varanda onde se sentaram em um banco de madeira ao lado da porta.
A brisa quente daquela tarde, já anunciando o fim da primavera e a chegada do verão dentro de poucas semanas, acariciava o rosto sem expressão de Janus. Os Krane haviam se mostrado pessoas realmente gentis e de bom coração naquele curto período de vinte e quatro horas, pouco perguntaram sobre o ocorrido de Sunspeak e se ofereceram a ajuda-lo na busca por respostas. Mas teria de esperar. Terry dissera que seu pai ajudaria com certeza na busca por quem ou o que tivesse feito aquilo com Sunspeak, porem ele havia partido em uma rápida viagem e retornaria apenas durante a próxima fase lunar. Portanto não havia muito que se fazer, alem por as idéias no lugar e tentar arrumar animo de algum lugar, mesmo que aquilo parecesse impossível aquele momento.
-Sabe... Quanto mais pensar mais difícil vai ser se livrar desse sentimento – disse Terry sem desviar o olhar do horizonte – Só posso imaginar a dor que sente, mas você terá suas respostas...
-É um pouco difícil de não pensar... – Respondeu Janus olhando para um ponto qualquer a sua frente – Um dia você tem família, amigos, uma vida... Ai você fecha os olhos e tudo desaparece... Literalmente...
Janus respirou fundo, as esperanças de que ele acordasse de um pesadelo e se encontrasse em sua cama, acordando com o cheiro do café quente de seu tio, já desaparecia. Olhou rapidamente na direção de Terry e ficou alguns instantes sem falar antes de quebrar o silencio novamente.
-O que mais tem me atormentado é o porque de eu ter sido o único sobrevivente... Por que toda minha vila simplesmente sumiu, menos eu? E... Terry... E se eu tiver feito aquilo?
-Não pode ter sido... – Terry sorriu para Janus tentando acalma-lo – A energia que eu senti naquele lugar era maligna... Você não exala a mesma energia. Alem do mais... Você teria poder pra fazer aquele estrago?
-É...
As palavras de Janus simplesmente morreram no ar, Terry tinha razão, não teria como ele ter feito aquilo. Olhou para o céu. Por mais azul que estivesse, parecia haver um tom cinza nele, como se tivesse perdido o brilho. Os gritos dos gêmeos haviam se distanciado até desaparecer, porem a cantoria da mãe de Terry ainda era audível. O garoto tentou seguir o conselho do jovem paladino cantarolando alguma canção que soubesse, porem todas lhe haviam sido ensinadas por seu tio. Ainda era tudo muito recente, talvez ele conseguisse distrair o pensamento dentro de alguns dias, achou que seria fácil com a ajuda do Krane.
Vários minutos se passaram sem que nenhum Janus, nem Terry falassem qualquer coisa. O sol já estava em sua eterna jornada rumo ao leste quando os dois resolveram voltar dentro de casa. O garoto seguiu em frente, porem o paladino parar abruptamente ao ouvir o som apressado de um cavalo no galope se aproximando. Caminhou lentamente até o pátio, se perguntando se seria seu pai que chegara da viagem antes que o esperado. Reconheceu a figura pálida de longos cabelos negros que se aproximava. A imagem daquele homem causara um arrepio na espinha de Terry, como se sentisse a eminência de noticias que ele sabia serem ruins. Scal Lobocinza parou diante do jovem paladino quase tão ofegante quanto seu cavalo e mal deu tempo para que Terry falasse.
-Onde está seu pai, Terance? Preciso falar com ele! E urgente!

6 de jan. de 2008

Parte 04

A escuridão seria total se não fossem as poucas tochas que iluminavam as ruas e o silencio noturno era apenas quebrado pelo som das ondas se chocando contra os rochedos, ou pelo grito longínquo de alguma criatura marinha. O cavalo bufava mal-humorado conforme o feiticeiro lhe colocava a sela, inconformado por ter sido acordado tão cedo que nem o galo havia cantado ainda. Scal não levava muita bagagem, imaginava que seria uma viajem rápida, pretendia estar de volta no máximo no anoitecer do dia seguinte. Ajeitou sua mochila no lombo do animal e montara logo em seguida. Tocara o animal uma vez, duas, três vezes antes que o cavalo resolvesse cooperar e seguir viajem. Pouca coisa acontecera no caminho até a entrada da cidade, alguns guardas da milícia passando, bêbados dormindo na entrada de tavernas e um ou outro trabalhador dedicado iniciando seu dia de labuta.
As estrelas possuíam um brilho sombrio aquela madrugada, um brilho que preocupava Scal. Não era muito bom em magias de divinação, mas aprendera a ler as estrelas, embora ainda precisasse consultar livros para se certificar de suas previsões. Ajeitou-se melhor em sua capa de viajem e apertou o passo, um arrepio acabara de lhe percorrer a espinha, e tudo o que lhe ocorrera no momento era que talvez estivesse levando bagagem de menos para aquela viajem.
A viagem teria corrido tranqüila, não pelo inconveniente encontro com uma trupe de goblins saqueadores, nada que ele não pudesse dar conta, mas aquilo atrasara sua viajem em vários minutos. O sol já se preparava para fazer sua decida rumo ao horizonte leste quando Scal tomou a estrada que levava diretamente à Sunspeak, era só fazer a curva a direita e chegaria ao vilarejo. Parou abruptamente alguns metros à frente. Olhou estupefato o enorme buraco que havia se formado no ponto exato onde a pequena vila campestre deveria estar.
O feiticeiro saltou do cavalo e se aproximou da formação, tinha certeza de que ali era Sunspeak. Já fizera aquele caminho incontáveis vezes, não poderia ter se enganado. Se abaixou próximo a borda e tocou o chão, recitando palavras de uma língua já esquecida, a não ser pelos estudantes das artes arcanas. A resposta à sua magia fora tão intensa que Scal saltara para trás, assustado com o resultado. Havia acabado de confirmar, era magia que fizera aquele estrago, e não a magia mundana que era facilmente adquirida através de estudos e paciência, era magia antiga em seu estado mais puro, porem exalando uma energia maligna que Scal nunca sentira antes. Deixou seu corpo cair sobre a grama e ficou observando a cratera, se recordando das ultimas palavras de seu mestre. A “chave rubra” havia sido encontrada por uma entidade de pura maldade. Nada disso importaria à Scal, sempre fora mais centrado em seus próprios assuntos, pouco se importando com os outros, mas sem desejar mal a ninguém, mas as palavras escritas no verso do mapa o fizeram engolir seco: onde o fim se inicia. Respirou fundo e se pôs a pensar, talvez fosse o fim de alguma coisa sem importância, seu mestre tinha o habito de exagerar um pouco as coisas, talvez pelo fato de tudo ser grande demais para ele. Precisava investigar, e existia apenas uma pessoa naquelas terras em quem poderia confiar, um homem bondoso e nobre que varias vezes visitara seu mestre em busca de conselhos, o dono do vale que levava seu nome, o Paladino conhecido com Krane Sisck.
Scal rapidamente se levantou e se apressou em direção ao cavalo, montou-o e partiu a toda velocidade em direção ao Vale dos Krane, com sorte o Paladino estaria em casa e poderia ajuda-lo. Mal sabendo ele que agora era uma corrida contra o tempo.

5 de jan. de 2008

Parte 03

Ele ainda podia ouvir a capa de seu diminuto mestre se arrastando pelo chão e o som de seus pequenos e apressados passos ecoando pelo assoalho de madeira de seu laboratório, no alto da torre. Apesar da saudade do velho gnomo, falecido a apenas duas noites, não sentia tristeza, era algo que ele havia aprendido ser inevitável, porem não conseguia deixar de se sentir perdido sem as risadas sempre bem humoradas do velho Nimbelarus. Eram muito diferentes um do outro, mas o velho Nimb, como gostava de ser chamado, fora o único que o acolhera, apesar de sua condição, um condição que assustava a maioria das pessoas. Scal Lobocinza não era um mago, como seu mestre, pois um mago estuda anos e dedica sua vida a aprender os conhecimentos arcanos, mas Scal era um feiticeiro, suas habilidades mágicas lhe eram inatas, vinham de seu sangue mágico, herança de algum ancestral longínquo proveniente de outro plano de existência.
Os longos cabelos negros caiam-lhe sobre a face pálida, resultante de incontáveis dias trancado na torre de seu mestre, aperfeiçoando e estudando as artes arcanas. Essa era, segundo sua opinião, a pior parte de ter se tornado um aprendiz do velho gnomo. Suas fontes de magia eram diferentes, portanto os meios de ensinamento deveriam ser diferentes, para Scal aquilo se equivalia a um flautista treinar suas habilidades em um violino, porem se cansara de reclamar nos primeiros meses, aceitando as palavras do velho Nimb de que aqueles estudos eram para ajuda-lo a entender melhor a natureza daquilo que ele fazia de forma instintiva. Fitava, com os olhos negros, a taça de vinho e o frango com batatas que o criado lhe havia preparado. A comida já esfriara e ele nem sequer tocara nela, tinha cabeça em outro lugar, tentava decifrar as ultimas palavras de seu mestre naquele terrível delírio noturno que o levara.
O jovem feiticeiro fora acordado de seus devaneios apenas quando ouvira alguém batendo na pesada porta de madeira. Com certa dificuldade, mais pela preguiça que pelo desanimo, Scal se levantou e atendeu a porta. Não era na de mais, apenas mais um dos moradores locais vindo lhe dar as condolências pelo falecimento de seu mestre. Mestre Nimb não possuía nenhuma função especial na cidade costeira de Bomporto, mas sua alegria, típica de sua raça, o fizera se tornar uma figura querida uma dúzia de décadas depois de se instalar na torre de pedra que antes servira de ponto de observação. O jovem se despediu do amigável cidadão e tornou a olhar o recinto, era o ponto mais baixo da torre, logo acima estavam os quartos, mais acima o salão de treinamento e no ultimo andar, o laboratório de seu mestre.
O laboratório do velho gnomo estava intocado, a não ser por um ou outro pergaminho que se deslocava sutilmente pelo vento que entrava pela janela ou pela corrente de ar criada quando Scal abria a porta. Estava agora apoiado no batente da porta, examinando as estantes de livros empoeirados, os equipamentos de alquimia e as anotações apressadas e mapas sobre a mesa de madeira, tudo em tamanho reduzido para que o pequeno Nimb pudesse trabalhar sem maiores inconvenientes. O jovem finalmente criara coragem para mexer nas coisas de seu mestre, ele próprio já dizia que não viveria por muito mais tempo naquele plano de existência e que já estava próximo para o passo seguinte. Desejava apenas que o mago tivesse tido uma morte menos agitada. Os gritos esganiçados ainda pareciam ecoar na mente de Scal, “ele despertou, a chave precisa ser destruída”, essas foram as ultimas palavras do bom gnomo, mas sem dizem quem era “ele” ou onde encontrar a tal chave. Scal se abaixara, ficando de joelhos, diante da diminuta mesa de carvalho. Não havia nenhuma anotação realmente relevante, apenas alguns encantos de divinação e mapas. Suspirou e se sentou, usando a mesa de apoio. Analisava o mapa de um pequeno vilarejo a leste dali, Sunspeak. Soltou o mapa e olhou para o teto, como um pedido silencioso de iluminação por parte de seu falecido mestre. Por um momento considerou a possibilidade de que o velho Nimbelarus tivesse sucumbido à insanidade bem debaixo de seu nariz, literalmente. Gnomos são naturalmente excêntricos, talvez isso tivesse ajudado a disfarçar a fuga de sua sanidade. Era uma possibilidade bem válida, mas sabia que não era real. O rapaz se levantou e pegou o mapa que havia largado no chão. Seus olhos brilharam. O mapa estava ao contrario, revelando uma pequena anotação na letra, quase ilegível, de seu mestre. A anotação não faria sentido algum e poderia se passar por uma anotação aleatória não fossem as ultimas palavras de Nimb. “Onde o fim se inicia e chave rubra descansa” eram as palavras anotadas no verso do mapa. Scal cerrou os olhos ao examinar mais uma vez o mapa, precisaria achar uma chave escondida em Sunspeak e destruí-la, não parecia tarefa difícil. Claro que seria mais fácil se soubesse o que a chave abr ou como se parece, mas ainda assim não julgava ser uma tarefa difícil, e a curiosidade de saber o motivo de tal objeto ter perturbado o ultimo sono de seu mestre o compeliam a fazer uma viajem ao vilarejo. Partiria bem cedo no dia seguinte, antes mesmo do Sol iluminar o horizonte no mar à Oeste, chegaria em Sunspeak pouco antes do meio dia e procuraria pela tal chave, e por respostas. Iria se preparar para a viajem. Saiu do laboratório de seu mestre trancando a porta a trás de si, sem saber que não mais retornaria.

4 de jan. de 2008

Parte 02

Os olhos de Terance se arregalaram com as palavras do jovem Janus. Levantou-se e olhou a sua volta. Realmente, não se lembrava de nenhuma formação igual àquela na região, o garoto estava falando a verdade. Deixou o garoto em seus pensamentos e se arriscou para dentro da cratera, mas retirara o pé de sua borda no mesmo instante que o colocara para dentro. Um arrepio lhe percorreu a espinha ao sentir o mal que ela irradiava. Cerrou os olhos e olhou para o garoto, não sentia nele a mesma essência que sentia na cratera. Janus talvez tivesse tido apenas sorte por sobreviver ao que destruira Sunspeak. Aproximou-se dele e se abaixou novamente, encarando os olhos azuis e apagados do garoto.
-O que aconteceu aqui, Janus? O que aconteceu com sua vila?
O olhar de Janus parecia perdido em algum ponto no lugar que um dia fora seu lar. Uma única lagrima escorreu pela sua face antes de responder, mais uma vez, com sua voz rouca e fraca.
-Não... Não sei... Eu simplesmente acordei... E tudo tinha desaparecido... Tudo...
Terance olhou para o garoto sentindo o coração apertar ao ver a tristeza naquele rosto to jovem. Janus não parecia ter mais que quinze ou dezesseis anos. O paladino se ergueu, estendendo sua mão ao garoto, com um sorriso que era marca registrada dos Krane Sisck, um sorriso bondoso que iluminava até os corações mais sombrios.
-Venha... Não tem mais nada pra você aqui... Por que não vem comigo? Minha casa é bem grande, e minha mãe ficara mais que feliz em recebe-lo. Você precisa esfriar a cabeça agora... Se quiser podemos descobrir o que aconteceu com sua vila... Mas até lá, você precisa estar forte! Que me diz?
As palavras do paladino pareceram se perder no ar, Janus não demonstrara nenhuma reação ao gentil convite. Terance ficou algum tempo em silencio, podia-se ouvir a brisa acariciando-lhes os rostos e o farfalhar das folhas próximas. Janus finalmente se manifestou. Desviou o olhar na direção do de Terance e respondeu, mesmo que sem animo.
-Tá... Tudo bem... Eu vou com você...
Terance sorriu com a resposta e ajudou o garoto a se levantar. Janus estava tão perdido em seus pensamentos que mal notara o belo cavalo que pastava a alguns metros deles, esperando pacientemente por seu dono. O paladino o ajudou a montar e subiu logo em seguida, virou o cavalo na direção do Vale dos Krane e partiu.
Nenhuma palavra fora dita durante o rápido percurso. O cavalo de Terance era bem rápido e a viajem não durara mais que quarenta minutos. Era quase meio dia quando puderam avistar, não muito longe, as fumaças brancas que saiam das chaminés das casas anunciando que o almoço estava sendo preparado. Ao se aproximar mais, porem, não foram em direção à vila. Em um ponto na estrada, Terance fez uma curva, entrando por um estreito caminho de terra. Passaram por um portão de madeira e seguiram a mesma estrada por mais dez minutos até chegar em uma bela casa de madeira, tipicamente usada como sede de alguma grande propriedade. Ao olhar em volta, Janus pode ver campos de cultivo e pastos onde um rebanho considerável de vacas e ovelhas pastava tranqüilamente. Terance abriu a porteira do pasto e soltou se cavalo que correu alegremente pelo campo.
-Vamos! Pelo cheiro minha mãe deve ter feito porco pro almoço! Chegamos bem a tempo!
O garoto acompanhou seu anfitrião até a entrada da casa, o cheiro que vinha lá de dentro era realmente muito bom, e apenas lembrava-o mais ainda que não comia nada desde a noite anterior ao estranho ocorrido em Sunspeak. Pouco acima da porta de entrada havia um brasão, predominantemente dourado, com dois dragões entrelaçados segurando o escudo, adornado por uma espada e uma balança, havia também uma inscrição abaixo do escudo, porem não estava escrito em nenhuma língua que pudesse entender, eram letras curvas e delicadas, muito belas. “Élfico” foi a primeira coisa que passou em sua mente, mas já vira textos élficos na casa de seu tio e não se pareciam com aquilo.
-É dracônico! Não sei exatamente como se pronuncia, mas ta escrito “Que a luz dourada da Justiça queime o mal do mundo”. – Disse Terance como se lesse a mente de Janus – Agora vamos, pode entrar, sinta-se em casa!
Janus entrou, com certa timidez, na casa de Terance, e ouviu o som de pratos sendo colocados sobre a mesa e a voz de uma mulher.
-Terry? É você?
-Sou eu sim, mãe! E eu trouxe uma visita se você não se importar!
-Claro que não, meu filho! Pode vir, já esta na mesa!
-Vem, Janus! Você vai provar o porco assado da minha mãe! É o melhor de toda a cidade!
Janus acompanhou seu anfitrião até o que parecia a sala de Jantar. Havia uma longa mesa de madeira, com panelas ainda fumegando e um enorme porco assado sobre uma travessa. Sentados à mesa estavam uma senhora já na casa dos quarenta, de cabelos e olhos castanhos iguais os de Terance e mais dois garotos, na faixa dos doze anos, com um olhar curioso na direção de Janus. Os dois eram idênticos, o mesmo cabelo loiro na altura dos ombros e sorriso de quem está sempre pronto para aprontar alguma coisa. Haviam dois lugares vazios ainda.
-Gente! Esse é o Janus... Ele é de Sunspeak!
-Era... – disse Janus ainda com certo desanimo
-Ah, deixemos isso pra depois, Janus, agora é hora de comermos! Essa é minha mãe, Alanna, e meus irmãos, Teodore e William! Sinta-se e em casa!
Janus se sentou em um dos lugares vazios um pouco sem graça, sem demora a mãe de Terance lhe serviu um generoso pedaço de porco e alguns legumes. O garoto sentiu o estomago roncar com o cheiro de comida e deixou a timidez de lado, atacando a comida. Ficou quieto o almoço inteiro enquanto Terance contava à sua mãe como o encontrara ou falava sobre suas andanças aquela manhã. O clima familiar naquela mesa parecia tão contagiante que, por vários minutos, Janus conseguira se sentir bem.

3 de jan. de 2008

Parte 01

Os primeiros raios mornos da manhã finalmente lambiam-lhe o rosto. Seus olhos finalmente começaram a se abrir, lentamente, tentando se acostumar com a claridade. Finalmente aqueles olhos azuis se abriram, vislumbrando o céu limpo e tão azul quanto eles. Demoraram alguns bons minutos para que o sono finalmente deixasse o garoto e o fizesse perceber que havia algo de errado. O céu, apesar de muito limpo e belo aquela manhã, não era o que ele esperava ver aquela manhã, e nem sentir o chão de terra duro sobre o qual estava deitado, esperava encontrar o teto de madeira polida de seu quarto e sentir o corpo repousando sobre colchão macio de plumas de ganso. No reflexo do susto o garoto se pôs de pé, e, então, veio o primeiro susto, pois não era apenas o teto e sua cama que haviam sumido.
O cenário que se formava diante daqueles olhos de um azul tão brilhante quanto a superfície de um lago era aterradora, não por conter sinais de destruição ou crueldade, pelo contrario, não havia nada. O garoto deu alguns passos para frente, ainda descrente do que via. Seu quarto, sua casa, a vila inteira onde morava, haviam desaparecido, deixando no lugar apenas uma cratera rasa, como se uma grande explosão tivesse ocorrido, desintegrando tudo em seu raio. Caiu de joelhos. As lagrimas começaram a escorrer pela sua pele levemente bronzeada pelas tardes debaixo do sol. Suas mãos se fecharam na poeira do que um dia fora a vila de Sunspeak, e onde as lagrimas faziam uma pequena poça salgada.
Algumas horas já haviam se passado, e o garoto acordava mais uma vez. Havia adormecido, exausto de seus prantos. Ele agora se levantava, lentamente e quase sem forças, já ciente do destino que sua vila tivera, mas ainda sem saber a causa nem o motivo. Olhou a sua volta, afastando os cabelos negros que haviam se grudado em sua testa. Suspirou. Não havia mais o que fazer ali, tudo que lhe pertencia havia simplesmente evaporado. Pensou no tio com quem morava, único membro da família que ao havia sido levado por uma praga que assolara a Sunspeak quando ainda era um bebê. Nunca conhecera a mãe, nem o pai, e agora perdera a única família que possuía. Nunca mais brincaria com seus amigos entre as barracas de frutas, ou brincaria de pega-pega no bosque ali perto.
Foi caminhando lentamente até a borda da cratera, arrastando os pés no chão. Achou um lugar para sentar em baixo de uma das primeiras arvores do bosque a alguns metros do buraco que um dia fora Sunspeak. Ficou ali durante horas, até que o dia virou noite e a noite virou dia novamente. Dormira pouco e mal durante a noite, precisava sair de lá, porem não possuía forças para se mexer. Poderia muito bem seguir a estrada até a vila mais próxima, o Vale dos Krane não ficava a mais de duas horas de caminhada dali. Mas por que iria? O que faria por lá sem dinheiro nem conhecer ninguém. As duvidas lhe pesavam e a tristeza lhe consumia até que adormecera mais uma vez.
-Garoto? Está tudo bem, garoto?
Lentamente abriu os olhos. Havia uma sombra entre ele e o sol, sombra essa que ele não conhecia reconhecer. Levou uma das mãos à testa, para poder enxergar melhor o rosto de quem lhe dirigia a palavra. Era um rapaz jovem, pouco mais velho que ele, provavelmente em seus dezessete anos. Os cabelos castanhos pouco compridos desenhavam perfeitamente o rosto de feições tão nobres quando os olhos igualmente castanhos. O estranho se abaixou, ficando na altura do garoto que agora esfregava os olhos e o olhava com uma expressão que misturava duvida e curiosidade.
-Q... Quem é você?
Perguntou fracamente o garoto ao estranho. Um sorriso calmo e acolhedor se formou no rosto do viajante, que agora pegava um cantil que estava preso em seu cinto e o oferecia.
-Você me parece exausto... O que esta fazendo aqui sozinho no meio do nada? Eu ia fazer uma parada em Sunspeak antes de voltar para casa, mas acho que peguei o caminho errado... Os deuses devem ter me guiado até aqui para te encontrar... Meu nome é Terance Krane Sisck, paladino do Sol, mas pode me chamar de Terry... Qual seu nome?
O garoto olhou para o paladino com grande pesar no olhar. Os olhos azuis já não pareciam mais tão brilhantes. Pegou o cantil que lhe era oferecido e tomou um longo gole, estava morrendo de sede e agora percebia que seu estomago já havia começado a reclamar. Seu olhar foi em direção da cratera que um dia fora seu lar, tornou a olhar o paladino e respondeu, com a voz rouca e fraca.
-Você não errou o caminho... Você está em Sunspeak... Ou onde um dia esteve Sunspeak... Meu nome é Vykon... Janus Vykon... Ultimo habitante de Sunspeak...

Prólogo

O cheiro do sangue se misturava ao da lama. Os gritos ainda ecoavam por toda a planície, como um cântico desordenado para a sinfonia de espadas chocando-se umas com as outras e eventuais explosões. O Pântano dos Agulheiros, quem poderia adivinhar que seria ali, naquele lugar pútrido, que a jornada terminaria.
O jovem de olhos azuis, outrora tão vivos, se debruçava diante do corpo caído de seu protetor, apenas alguns anos mais velho que ele. As lagrimas escorriam pelo seu rosto conforme sentia seu coração apertar. Não queria ceder, não poderia ceder. Porem, não haveria escolha, seria a única chance de sobrevivência daquele grupo que já se arriscava demais por ele, ao menos eles mereciam ver um novo dia.
O garoto beijou a testa de seu amigo e mentor. As palavras que saíram de sua boca fracas na forma de um singelo “me perdoe”. Apenas uma sombra podia ser notada, se erguendo em meio ao lodo. Afastou os cabelos sujos do rosto e fechou os olhos, deixou a ira domina-lo lentamente, era o único meio. Sentiu o corpo esquentar em uma sensação que, infelizmente, já lhe era conhecida. Até que finalmente...