16 de jan. de 2008

Parte 10

Lá estava ele mais uma vez, naqueles campos agrestes e cinzas, o céu sempre escuro com suas macabras nuvens escarlates, ameaçando fazer chover sangue a qualquer instante. Seguia seus passos, talvez por simples instinto, talvez por já saber o caminho a percorrer, porem nunca havia seguido tão longe, apesar da paisagem imutável não possuía nenhum marco, dando assim nenhuma indicação de onde estivesse. A única indicação que tinha de que se aproximava de seu destino era o som da harpa, tocando um minueto sinistro, que se tornava cada vez mais audível, embora parecesse vir de todos os lados.
Sentia ter caminhado durante horas, talvez dias, pois sentia seu corpo pesar e as pernas falharem. Nunca havia chegado tão longe, podia sentir que estava perto agora, não podia parar, não agora. Prosseguiu, até que parou subitamente. Aqueles olhos, de um azul tão vivo que chegava a brilhar, observou a porta que pareceu surgir como mágica diante dele. Perguntou-se como não notara a imensa estrutura, feita de ébano maciço, se aproximando dele. Isso não importava mais. Havia encontrado o lugar que procurava. Olhou a sua volta. Não havia nenhum arco ou muralha sustentando a enorme porta, pela qual um dragão poderia passar tranqüilamente, mantendo ereta toda a extensão de seu pescoço. Aproximou-se o bastante para ver os entalhes que decoravam a misteriosa porta. Sentia a magia emanando da runas, entalhadas habilmente ao longo de toda a extensão de sua moldura. Não havia indícios de maçaneta ou fechadura na madeira enfeitada com imagens e símbolos que pouco lhe significavam, mas havia, bem no centro da porta, a forma de uma mão talhada fundo na superfície negra.
A melodia agora era nítida como um cristal, ele se descobrira cantarolando-a, mesmo que a mesma lhe desse arrepios. Os olhos azuis se fixaram no entalhe em forma de mão e, sem que percebesse, já havia erguido a sua própria, inserindo-a naquilo que parecia a fechadura da grande porta, e descobrindo, para seu espanto, que o encaixe era perfeito.
Instintivamente tentou retirar sua mão quando sentiu o corpo arder intensamente, como em uma crise febril, porem o esforço fora em vão. Estava preso. As runas agora pulsavam emitindo um brilho rubro, ele podia sentir a pulsação, como se a porta tivesse adquirido vida. Sentiu um liquido viscoso e morno percorrer seu braço. Sangue. O sangue agora escorria por entre o vão da enorme porta que se abria lentamente. O minueto agora ganhava um ritmo mais acelerado conforme as duas metades da porta se separavam, fazendo o sangue jorrar por entre as frestas, mas ele nunca chegou a contemplar o que elas escondiam.
O suor escorria pelo rosto de Janus quando este acordara desesperado, olhando para o braço num reflexo inconsciente. Rapidamente o garoto se sentou na cama e conferiu onde estava. Suspirou aliviado ao constatar que estava no quarto de Terry, com o paladino dormindo no chão ao lado de sua cama e o feiticeiro, Scal, dormindo na cama ao lado. Enxugou o suor em seu rosto com as costas das mãos, feliz por ouvir os silvos rítmicos da respiração de um de seus dois companheiros de quarto, mas isso não fora o suficiente para acalma-lo por completo. Tentou se o mais furtivo que conseguia quando se levantou da cama e caminhou até a varanda do lado de fora da casa.
A lua parecia ter atingido sua forma plena aquela noite, e brilhava intensamente, iluminando até o horizonte com sua luz fria e prateada. O garoto caminhou até a grama fofa do quintal do Krane, deixou o corpo cair sobre a relva e se pôs a observar as estrelas. Fitou por um longo tempo uma estrela particularmente brilhante, e de cor escarlate, que o fazia inevitavelmente se lembrar do sonho que acabara de ter. Ainda suava, mas não pelo susto, suava de calor. Sentia o corpo quente, como se tivesse sido atacado subitamente por uma forte febre, mas o formigamento em sua mão o fazia pensar em apenas uma coisa. Aquilo não fora um simples sonho.
Deixou que a brisa noturna lhe esfriasse tanto o corpo quanto a mente, e assim ficou uma boa dúzia de minutos deitado, escutando o som dos grilos, como se marcassem o tempo para o minueto sinistro que ele, sem perceber, começara a entoar. Esfregou os olhos e se pôs de pé em um salto quando um uivo ao longe lhe trouxera de volta a realidade. Precisava descansar se fosse seguir o feiticeiro no amanhecer. Girou nos calcanhares para voltar para dentro da casa quando de frente com a senhora Krane parada à porta, apoiada no batente. A mulher sorriu quando Janus se aproximou
-Sem sono também, Janus? – perguntou ela com uma voz gentil e maternal
-É... Sonhos ruins... Mas já vou voltar pra dentro...
-Eu também gosto de olhar para as estrelas quando perco o sono, sabe?
-Hum...
-Bom, é melhor você voltar pra cama... Vocês terão uma longa jornada pela frente!
-Que? Eu... – surpreendeu-se Janus. Não havia mencionado que partiria com Scal até o momento da partida e tinha certeza de que não tinha deixado transparecer sua vontade.
-Eu já separei algumas coisas pra vocês levarem. – disse ela com um sorriso
-Ah... Bem... Então... Obrigado, senhora Krane... Melhor eu dormir então... Boa noite...
-Boa noite, querido!
Janus entrou no quarto um pouco aturdido, se perguntando como a senhora Krane descobrir de seus planos de partir com o feiticeiro, porem nunca encontrou a resposta, pois o sono o levara, embalando-o em sonhos, mais agradáveis dessa vez.
O silvo rítmico ainda ecoava suavemente pelo quarto, mas dessa vez acompanhado por alguns resmungos baixos de Terry. Era ele quem sonhava dessa vez. Sonhava com um lugar árido e inóspito, cuja lava dava uma coloração vermelha à terra seca e as nuvens, sempre negras, castigavam o vale com seus constantes raios. Em seu sonho ele via um homem de cabelos dourados ajoelhado ao chão, parecia cansado. Primeiro veio a gargalhada, uma voz grossa e gutural, em seguida veio a voz de seu pai, suplicando por ajuda. O rapaz não se lembraria do sonho na manhã seguinte, nem em nenhuma outra que viesse depois dessa, mas o pedido de ajuda de seu pai se instalara em seu inconsciente, e o guiaria com precisão ao seu destino.

Um comentário:

Éb disse...

eu também não lembro dos meus sonhos XD
tadinho do janus ._. mas eu ainda gosto mais do Scal e do Drow XD