5 de jan. de 2008

Parte 03

Ele ainda podia ouvir a capa de seu diminuto mestre se arrastando pelo chão e o som de seus pequenos e apressados passos ecoando pelo assoalho de madeira de seu laboratório, no alto da torre. Apesar da saudade do velho gnomo, falecido a apenas duas noites, não sentia tristeza, era algo que ele havia aprendido ser inevitável, porem não conseguia deixar de se sentir perdido sem as risadas sempre bem humoradas do velho Nimbelarus. Eram muito diferentes um do outro, mas o velho Nimb, como gostava de ser chamado, fora o único que o acolhera, apesar de sua condição, um condição que assustava a maioria das pessoas. Scal Lobocinza não era um mago, como seu mestre, pois um mago estuda anos e dedica sua vida a aprender os conhecimentos arcanos, mas Scal era um feiticeiro, suas habilidades mágicas lhe eram inatas, vinham de seu sangue mágico, herança de algum ancestral longínquo proveniente de outro plano de existência.
Os longos cabelos negros caiam-lhe sobre a face pálida, resultante de incontáveis dias trancado na torre de seu mestre, aperfeiçoando e estudando as artes arcanas. Essa era, segundo sua opinião, a pior parte de ter se tornado um aprendiz do velho gnomo. Suas fontes de magia eram diferentes, portanto os meios de ensinamento deveriam ser diferentes, para Scal aquilo se equivalia a um flautista treinar suas habilidades em um violino, porem se cansara de reclamar nos primeiros meses, aceitando as palavras do velho Nimb de que aqueles estudos eram para ajuda-lo a entender melhor a natureza daquilo que ele fazia de forma instintiva. Fitava, com os olhos negros, a taça de vinho e o frango com batatas que o criado lhe havia preparado. A comida já esfriara e ele nem sequer tocara nela, tinha cabeça em outro lugar, tentava decifrar as ultimas palavras de seu mestre naquele terrível delírio noturno que o levara.
O jovem feiticeiro fora acordado de seus devaneios apenas quando ouvira alguém batendo na pesada porta de madeira. Com certa dificuldade, mais pela preguiça que pelo desanimo, Scal se levantou e atendeu a porta. Não era na de mais, apenas mais um dos moradores locais vindo lhe dar as condolências pelo falecimento de seu mestre. Mestre Nimb não possuía nenhuma função especial na cidade costeira de Bomporto, mas sua alegria, típica de sua raça, o fizera se tornar uma figura querida uma dúzia de décadas depois de se instalar na torre de pedra que antes servira de ponto de observação. O jovem se despediu do amigável cidadão e tornou a olhar o recinto, era o ponto mais baixo da torre, logo acima estavam os quartos, mais acima o salão de treinamento e no ultimo andar, o laboratório de seu mestre.
O laboratório do velho gnomo estava intocado, a não ser por um ou outro pergaminho que se deslocava sutilmente pelo vento que entrava pela janela ou pela corrente de ar criada quando Scal abria a porta. Estava agora apoiado no batente da porta, examinando as estantes de livros empoeirados, os equipamentos de alquimia e as anotações apressadas e mapas sobre a mesa de madeira, tudo em tamanho reduzido para que o pequeno Nimb pudesse trabalhar sem maiores inconvenientes. O jovem finalmente criara coragem para mexer nas coisas de seu mestre, ele próprio já dizia que não viveria por muito mais tempo naquele plano de existência e que já estava próximo para o passo seguinte. Desejava apenas que o mago tivesse tido uma morte menos agitada. Os gritos esganiçados ainda pareciam ecoar na mente de Scal, “ele despertou, a chave precisa ser destruída”, essas foram as ultimas palavras do bom gnomo, mas sem dizem quem era “ele” ou onde encontrar a tal chave. Scal se abaixara, ficando de joelhos, diante da diminuta mesa de carvalho. Não havia nenhuma anotação realmente relevante, apenas alguns encantos de divinação e mapas. Suspirou e se sentou, usando a mesa de apoio. Analisava o mapa de um pequeno vilarejo a leste dali, Sunspeak. Soltou o mapa e olhou para o teto, como um pedido silencioso de iluminação por parte de seu falecido mestre. Por um momento considerou a possibilidade de que o velho Nimbelarus tivesse sucumbido à insanidade bem debaixo de seu nariz, literalmente. Gnomos são naturalmente excêntricos, talvez isso tivesse ajudado a disfarçar a fuga de sua sanidade. Era uma possibilidade bem válida, mas sabia que não era real. O rapaz se levantou e pegou o mapa que havia largado no chão. Seus olhos brilharam. O mapa estava ao contrario, revelando uma pequena anotação na letra, quase ilegível, de seu mestre. A anotação não faria sentido algum e poderia se passar por uma anotação aleatória não fossem as ultimas palavras de Nimb. “Onde o fim se inicia e chave rubra descansa” eram as palavras anotadas no verso do mapa. Scal cerrou os olhos ao examinar mais uma vez o mapa, precisaria achar uma chave escondida em Sunspeak e destruí-la, não parecia tarefa difícil. Claro que seria mais fácil se soubesse o que a chave abr ou como se parece, mas ainda assim não julgava ser uma tarefa difícil, e a curiosidade de saber o motivo de tal objeto ter perturbado o ultimo sono de seu mestre o compeliam a fazer uma viajem ao vilarejo. Partiria bem cedo no dia seguinte, antes mesmo do Sol iluminar o horizonte no mar à Oeste, chegaria em Sunspeak pouco antes do meio dia e procuraria pela tal chave, e por respostas. Iria se preparar para a viajem. Saiu do laboratório de seu mestre trancando a porta a trás de si, sem saber que não mais retornaria.

Um comentário:

Éb disse...

eu já comentei no msn, mas reforço, gostei! XD
*favoritando*